segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

365

Um ano tem trezentos e sessenta e cinco dias. Relativamente, parece muito tempo. E é. É tempo suficiente pra se mudar uma vida. Se fosse recapitular exatamente tudo que me ocorreu durante esses doze meses. Chegaria à conclusão de que amadureci uns cinco anos em quase trezentos e sessenta e tantos dias. E o ano ainda não acabou.

Não foram poucas as pessoas que passaram por aqui. Muitas delas passaram e me acenaram de longe. Outras entraram, sem bater e ficaram. Algumas me trouxeram presentes lindos, outras de grego. Algumas só me fizeram visitas, mas assim mesmo se fizeram marcantes, me trouxeram sorrisos e algumas lágrimas também. Pena umas terem ficado só pra um café e ido sem se despedir.

É incrível como a gente consegue gostar de graça de alguém, sentir necessidade da companhia, das conversas de ônibus, conversas de sofá [no Catalina] e de bar [no horto]. Dos sorrisos, das lágrimas, do ombro. E até daquele olhar como quem diz “Que porra foi essa que fizeste?”

Essas que foram entrando sem cerimônia, escancarando a porta e me roubando sorrisos e gargalhadas de doer a barriga, ainda estão aqui. Espero que estejam sempre. E quando elas lerem esse texto saberão exatamente o quanto são importantes pra mim. Que fique claro que eu as tranquei aqui dentro, oquei?! Joguei a chave pela janela. Sei que não posso obrigar ninguém a ficar. A chave tá ali, se alguém quiser sair até pode pegar. Mas beiber, me conhecendo bem, pra eu permitir que saiam vai ser foda.

Por quê? Porque elas deram voltas pelas minhas frustrações, angústias, medos. Me viram permitir meu ID aflorar e meu superego encher o saco no dia seguinte, sem que me julgassem. Ouviram meus lamentos, escutei os seus lamentos. Falamos de amores platônicos, de pai ausente, de madrastas loucas. De pais ciumentos, de sistema educacional de merda, de política, de Piaget, de gestalt-behaviorismo-psicanálise. De reggae. De rock in rio, de The Ments, Mutantes, Beatles, Interpol, Smiths, The Cure, Queens, Radiohead, A Perfect Circle, Raul, Sérgio Sampaio, Chico. De padrinhos e madrinhas dos filhos que terão. De coisas impossíveis, de amores e desamores do passado que insistem em se fazer presentes, de namoros “canoas”. Até promessas de fazer uma graduação juntos já rolou. De tanta coisa.

Se não fossem esses caras, seria difícil de arrancar sorriso do rosto que dois mil e dez me deu. Aprendi. Ensinei. Me apaixonei. Me fudi. Briguei, bati, apanhei. Errei pracaralho. Perdi esperanças e as achei flutuando nas conversas. Naquelas conversas. Nestas conversas.

É por tudo isso!

Amei e amo essas pessoas que entraram sem bater. E eu sei que eles, apesar de muitas outras rotações e translações, continuarão aqui, mesmo que não fisicamente. Mas estarão em meus pensamentos, idéias, opiniões. Por que amigo é sempre amigo.

Ah, e só pra não perder o costume de fim de ano: Feliz ano novo, galera leitora desse blogue.

sábado, 25 de dezembro de 2010

Em uma dessas sextas

É que as vozes das pessoas, o cheiro do cabelo e bordões usados apenas por elas, são coisas que conquistam a sua atenção, que o tomam pelo gosto, assim, logo de cara, sem nenhum esforço. E toda vez que conhece alguém, por mais que os olhos rodem por efeito do álcool na noite, sempre pára pra observar esses caracteres, aparentemente tão triviais, mas indispensáveis, principalmente em conjunto ali.

Quando tudo misturado em uma só pessoa o cara ouve até Lucy, com flores de celofane nas mãos, sussurrar dizendo que táxis feitos de papel de jornal estão à sua espera. Dá uma volta pela memória, acabando naquela nostalgia quase que cotidiana e bem enrolada em suas neuras pretéritas.

Foi ali: Aquele braço direito que segurava uma garrafa de cerveja. Aquele braço, com aquele relógio preto na pele branca. O sorriso dado de graça, junto às gargalhadas, aos amigos. Conversas em uma noite de sexta. Sorriso de dentes bonitos. Armação grossa dos óculos cobrindo aqueles olhos investigativos. O alargador preto na orelha branca, coberto pelo cabelo longo-ondulado de castanho bem claro, quase loiro. Era simplesmente quase perfeita sem nem conhecer esse cheiro castanho-doce do cabelo, nem voz, nem bordões que ela gostava de usar.

Ele andava meio cético, não acreditava em muita gente. Nem sentia muita gente já fazia algum tempo.

Andava nostálgico também, por um tempo que não volta. Um tempo misto de sujo e felicidade. Uma felicidade suja. Irreal, criada apenas em sua cabeça. Transpassada ao coração com uma esperança gritante, uma expectativa gigante de felicidade.

Andava cego. Cego de vontade de olhar ao redor, cego pelo medo de perceber a mesmice em que havia se afundado. E o pior: Por conta própria, enfiando um pé de cada vez lentamente de olhos conformados, semi-fechados. O fato é que aquela merda toda de interesses, refúgios, aos fins de semana, de angustias que se transvestiam, cada vez mais, em cotidianas, passou de adubo a concreto. Esqueceu de olhar ao redor.

Mas foi ali, naquela hora que soube da presença do diferente. Naquele momento tudo veio à tona, ao ver aquele corpo, aquela pele, cabelos longos, relógio preto, gestos atípicos, contrastes e reflexos de luzes. Olhar oculto que investiga por entre os óculos e seus dedos de unhas azuis que insistentemente ajeitam a lente rebelde e escorregadia pelo nariz de traços firmes. Copos cheios de refúgio alcoólico espremendo um sorriso de graça pelas graças de amigos.

Será que foi isso? Foi isso tudo e só? Que fez com que deixasse a cegueira de lado? Com que tornasse a nostalgia ainda mais forte? E deixado aquele ceticismo, que, aliás, não lhe cai tão bem assim, ir embora? Será? Ele até hoje sente o desejo de descobrir o que aconteceu naquela sexta daquele mês chato que, a seu ver, contraditoriamente, nada tem a oferecer.

Contraditoriamente. Fato. Naquele dia foi lhe oferecido a dúvida, a incerteza, a inquietante sensação da tristeza e felicidade anexadas ao mesmo sorriso. Excitações, obscenidades, inveja, ciúme, luxúria, de uma paixão [não correspondida].

Dezembro

Olhava fixamente através da janela semi coberta pela cortina. A cortina de espirais coloridos que ainda se encontrava ali, debatendo-se pelo vento, tão maleavelvemente. Cobriam a vista de Carolina esses espirais coloridos dançando fluorescentemente à sua frente ao som de Tiersen, enquanto seus pensamentos misturavam-se à chuva fina e fria de dezembro, ao piano triste de La dispute.

Seus pensamentos iam muito além de espirais dançantes, chuvas renitentes e longas fumaças tragadas. Seus pensamentos iam até lá, àquela época. A nostalgia era densa, bem mais que a fumaça. Tão presente que Carol chegou a pensar está revivendo aquela dor outra vez. Aquela dor que se fez muito necessária até. Pois sem ela jamais teria aprendido tudo. Conformado tudo. Sofrido tudo. Se rebelado contra tudo. Se libertado da mentira e aprendido.

Ela lembra. De olhos fechados, apertando as lágrimas calmas que escorriam sem serem enxutas da face pálida de frio, através dos óculos quebrados [naquela época]. O coração batia forte a cada vez que as notas da música iam fluindo, cada vez que o piano disparava. O filme vinha à mente.

Dezembro é quando, em sua memória, seus desejos ainda não realizados, suas saudades, suas dores, toda a merda de uma época vêm à tona tudo misturado. Sentimentos, sensações mistas às lágrimas que caíam ao som, à chuva, ao frio. À vontade de achar a tal felicidade que ainda não sabe se é verídica. Esperanças de fim de ano, de que as coisas mudem, de que tudo vá à merda, de que eles estejam sempre perto e que os outros vão embora. De que a música transpire sempre as sensações. De que suas vontades mais inconscientes, aquelas abraçadas com o ID, não a machuquem e nem a ninguém. Que seus medos não se concretizem e que ali mais à frente aperte a mão da invisível felicidade.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Como organizar neuras?

Talvez ela saque exatamente do que esteja precisando. De organização! O foda é saber por onde começar. Em qual prateleira certa guardar [ou esconder] cada pensamento, cada neura que consome e corrói cada espaço imaginativo, ou até certo ponto concreto, existente nessa massa encefálica desgastada pelas atitudes erradas tomadas nos últimos meses.

As vivências. As coisas ditas em momentos que deveriam ser apagados. As coisas não ditas que até hoje permanecem na vontade de serem despejadas, vomitadas. As coisas ainda não ditas, mas que serão [ela sabe] ao tomar copos a mais. Coisas que provavelmente serão tomadas por goles engasgantes de arrependimentos. Talvez pelo fato de que serão ditas pra pessoa errada, ou não-preparada [AINDA. Esperançosamente falando].

Mas se ela sabe que serão ditas na hora errada pra pessoa errada, por que dirá? Porque ela se conhece, apesar de muitas vezes esquecer disso. Eu a conheço. Ela vai falar, ela tem vontade. Ela necessita saber de uma resposta.

Espere, minha cara. Não se precipite. Escute o tal do martelo doído na cabeça. Será que vai conseguir agir contra todas essas vontades e escutar esse nhenhenhenojento, renitente ali? Evitar aquela agonia toda vez que se lembrar da merda feita? Isso já aconteceu antes, gata. Evite!

Acho que não. Ela vai falar e depois se arrepender. Já anda até meio que agindo condizente às palavras existentes naquela massa enrolada em seus pensamentos encefálicos. E sabe o que vai acontecer depois? Vai sentir a vontade de todas às vezes. Aquela da atitude extremista de sempre. A tal de apagar da cabeça. Pegar um puta baque e acordar com amnésia. Ou até mesmo ir ao consultório ilusório do doutor 'Howard Mierzwiak' e começar a sessão apague-toda-essa-neura-peloamordeDeus, conseguir o brilho eterno de uma mente sem lembranças e tomar em paz seu psicotrópico receitado pelo mesmo.

Talvez assim, do zero, consiga organizar nas prateleiras certas desses vinte e um anos. Ou não?

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Livro de escola

Uma amiga minha, comentou comigo o fato de eu ter uma linha só de escrita. Que escrevo sempre pequenos contos que falam a respeito de experiências minhas e de pessoas próximas a mim. [Eu sei que não foi uma crítica, Beiber. Mas mesmo assim faço uma nota a respeito, já que tu, como leitora assídua do meu blog, logo, logo soltarias uma exclamação: “Mas foi só um comentário! ¬¬”].

O fato é que eu realmente pensei sobre o porquê de eu escrever sempre coisas mais existencialistas-sentimentais-individualistas. Pensei, repensei e cheguei à conclusão de que sou uma [guei] sentimental. Além, claro, do fato de eu simplesmente gostar de escrever coisas assim e de um dia querer publicar um livro de contos [Tááá, Caia Fernanda Abreu], o que nada tem a ver com o possível e equivocado fato de eu não me interessar pelos contextos sociais [por que se não me interessasse, nem estaria no curso de pedagogia].

Portanto, resolvi agora [mas não somente] usar esse espaço meu, mas que não só eu leio, pra adentrar em um assunto que desde que comecei a estagiar vem me deixando muito encucada. Muito é pouco: MUUUITO!

Cara, talvez não seja a única a pensar sobre isso. Mas, quem já teve a oportunidade de folhear um livro didático do ensino infantil ou fundamental, além de professor, pai, mãe, tia, ou seja lá quem for o adulto que lide com isso cotidianamente? Quem que por curiosidade [e não por obrigação] já o fez?

Dando ênfase, agora, aos livros de ensino infantil [jardim I, jardim II], tu que já leste, não achas o quanto é tosco a maioria desses livros? O que será que pensam, essas editoras que publicam tais coisas, a respeito da mente cognitiva dos donos do livro? Pior: o que passa pela cabeça de quem escreve? Não. Pior: o que passa pela cabeça do diretor do colégio que compra esses livros?

Não, não estou sendo extremista. É só prestar atenção nos textos e questões. Uma criança que está no jardim II, tem em média cinco ou seis anos e muito malmente conhece o alfabeto completo e os números. Então por que diacho ensinar no jardim dois os algarismos romanos pra uma criança que não sabe nem que o dez é o zero do lado do um?

NÃO. Não estou dizendo que elas não têm capacidade pra isso. Mas cada passo de uma vez. Vamo ler Piaget, galera que escreve o livro, e analisar o nível de desenvolvimento nos quais elas estão.

Aí, contraditoriamente, em um livro de TERCEIRA SÉRIE, onde as crianças já sabem ler bem e corrido [tá oquei, algumas têm dificuldades, mas aí já é a questão da falta do hábito da leitura. Outra discussão], o cara me vem com uma questão dessas:
“1ª) Escreva o diminutivo de cada palavra:
a)      Sapo – sapinho
b)      Luva – luvinha
c)      Bebê – bebezinho”

Melldells, por um acaso, essa criança, por mais que tenha um desenvolvimento lento, não sabe que uma roupa pequena é roupinha? Que o filho do sapo, além de girino, é um sapinho? Já que é pra dar diminutivo como conteúdo de currículo escolar, por que esses livros não dão ênfase aos diminutivos irregulares [aldeia – aldeola; casa – casebre; rapaz – rapazote, rapazola...]?

E os textos de história e geografia? Puts, textos secos, questões secas pra respostas secas: “quem descobriu o Brasil?”. Gente, isso ainda existe. Uma criança de terceira série, com cerca de oito a dez anos, já tem condições suficientes de entender e analisar o contexto, como um todo, de determinada época. Eles já têm plenas condições, por exemplo, de entender sem traumas que os verdadeiros donos do Brasil, na época, eram os índios e que estes foram desprendidos de sua cultura de forma agressiva e blá blá blá.

, galeraescritoradelivrodidático, vamo colocar as questões certas na época certa.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Conversa de consultório

“Pois é, como ia dizendo, eu não ando muito bem da minha sanidade, doutor.
Ando sentindo coisas.”

“Meu filho, o que tu sentes exatamente?
Quando essa pessoa vai falar contigo, teu coração bate forte?
Ficas nervoso?
Ficas feliz com coisa pouca?”

“Doutor, dificilmente eu falo com essa pessoa pelo telefone, mas quando eu vejo uma ligação dela perdida no meu celular eu quase morro. Certo dia eu tava assistindo a um filme e me desprendi por horas do meu celular [aliás, sempre o faço, não costumo andar com ele pra cima e pra baixo]. Enfim, o filme acabou e eu, como quem não queria nada, peguei o aparelho. Quando eu vi aquele nome ali, me senti euforicamente infantil, meu coração pulou e saiu pela boca, tomei um puta susto e quase eu o perco pelo chão.”

“Ah, é normal, até, meu filho. A infantilidade é um dos sintomas da Apaixonice, meu caro. E o coração costuma mesmo saltar fora.”

“Mas doutor, meu orgulho tá ferido, sabe?!
Ela nem quer saber de mim, finge até que eu não existo, e eu?
Eu sou um abestado, doutor. É. Um abestado-retardado-que-fica-esperando-um-sinal-qualquer!”

“Orgulho ferido, euforia e infantilidade... Hum, normal ainda assim.”

“E quando ela me deixa falando sozinho?
E mesmo assim eu corro atrás?
Ah, doutor, esqueci de mencionar: Eu não a conheço direito.”

“Não a conhece direito? Mas ficas eufórico quando ela liga, mesmo sendo pouquíssimas vezes? Corre atrás dela, mesmo sendo desprezado? Seu caso é um pouquinho mais grave, ó. Acho que você sofre de Paixoniteagudanãocorrespondida

“[Puta merda]”

A garota do vestido vermelho, a mãe e o mendigo

A garotinha do vestido vermelho não parava de tagarelar, enquanto andava pela calçada, um segundo se quer a respeito do filme [aliás, ela simplesmente nunca parava]. O filme no qual sonhara a semana toda pra assistir ao lado da mãe, a cirurgiã plástica, esteticamente falando, tão ocupada com suas consultas ricas. Ricas de ausência de conteúdo.

Larissa agora andava de mãos dadas com as da mãe, tão feliz com seu vestido, empolgantemente-sorridente-estridente só de pensar que finalmente sua mãe arranjara um tempo em sua divertida agenda. Sem saber que, segundos depois, algo lhe tiraria o filme de seu foco. Benditos segundos que mudariam a vida pensante da pequena garotinha.

Logo adiante à calçada, avistara algo. De longe, no chão. Era um amontoado de panos velhos a princípio. Justificável que fosse realmente, a garota há um ano precisava de óculos. Tentara comunicar a mãe, mas o Motorola dela sempre chegava aos seus ouvidos antes que Larissa.

Foram se aproximando daquele amontoado e percebera que debaixo dele havia alguém. Alguém sentado no chão, sujo, cabelo bagunçado, com odor desagradável muito forte e uma caneca de plástico estendida na mão direita, dessas de lojinhas de um e noventa e nove, envolvida pelas mãos gastas com dedos feridos.

Sua cabecinha, tão pequenininha começara a crescer e montar uma série de pensamentos, assim, feito gente grande faz. Olhou bem para aquele cara ali jogado, olhou dentro dos olhos dele. Olhos que também a fitavam, tentando disfarçar aquele amargurado todo. Foi então que desarmara a mãe com tantas perguntas. Talvez tenha sido a primeira vez que esta prestara de fato atenção em algo que a filha houvera dito:

“Mãe, por que aquele velhinho tá sentado no chão? Ele não tem casa? Por que ele segura uma caneca? Por que têm moedas dentro dela e não um café ou suco ou aquele chá que a senhora toma? Por que eu tô vestida de vestido novo de cor bonita e ele tá com esse remendo velho de cor feia e suja? Ei mãe, por quê? Hein, mãe? Mãe!”

A mãe ouvira tudo o que Larissa dissera, mas achara mais fácil fazer o que faz sempre:

“Quieta Larissa. Anda rápido se não a gente se atrasa pro filme. A gente vai comer antes, esqueceu que eu tô com fome? Tive que passar no banco e sacar dinheiro, nem deu tempo de comer nada.”

“Mas mãe... Então por que ele não pega o cartão de crédito dele, vai no banco e pega um dinheiro pra comer alguma coisa? Ele parece que tem fome..”

Aquilo era demais pra cabecinha de Larissa. Acabara de completar cinco anos, era quase impossível uma menininha entender o porquê da existência de alguém no chão, sujo, sem dinheiro, enquanto ela, vestida e perfumada, ia ao cinema gastar o tanto que a mãe tinha.

No meio do filme, a única coisa que conseguiu pensar e dizer foi:

“Mãe? Quando a gente voltar, vamo deixar pra aquele velhinho um hambúrguer bem grandão?”

Pena que o que ela ainda desconhecia era a efemeridade das coisas. Não podia saber que poucas horas depois, o velhinho já não existiria mais.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

À la "Here comes right now"

Era sempre do mesmo jeito. Acordava, se olhava no espelho e envelhecia, meio que inconsciente, uns sete ou dez anos. Imaginava se seus olhos estariam felizes. Ou se estariam como agora, cansados. O fato é que ela já tem tudo em mente. Todos esses planos que se costumam fazer [ou que, de certa forma, nos são impostos grosseiramente] sobre a vida, já fazem parte do mundo que guarda em seus pensamentos há certo tempo.

Porém vai além. Não são sonhos referentes apenas ao que todo mundo deve ter quando cresce e vira gente-grande. Ela já sabe a cor da cortina da sala, do título de cada livro posicionado um em cima do outro na prateleira, das cores das almofadas em cima da cama. Dos nomes dos vinis, ao lado dos livros. Dos desenhos feitos por ela, os quais retrataram, retratam e vão retratar cada momento de sua vida.

E ela também já sabe com quem dividir isso tudo. Sem nem mesmo tê-lo conhecido, nem visto seu rosto e nem escutado um timbre se quer. Mas já sabe quais conversas terão, quais músicas escutarão nesses momentos, quais livros lerão e comentarão sobre.

Porém, tristemente, ao lavar o rosto, voltava a olhar sua face atual. É, se entristecia sempre que a via verdadeira. Entretanto, logo percebia, alegremente, que sua selvagem e sábia feminilidade, sua introspectividade embutida nos seus erros e tolices do passado, serão recompensados por tudo o que vê ao envelhecer na frente do espelho.

Paixão e chuva, coisas psicoativas.

Sabe do que ela gosta? De se apaixonar no inverno.

Aquele clima gelado chuviscante é tão propício a coisas a dois: assistir a um filmecompipocadebaixodolençol, jogar baralho, conversar sobre as letras daquela música daquela banda com aquele arranjo doido e pesado, ir pra cozinha fingir que é mestre-cuca e fazer uma gororoba qualquer quando bate a fome e coisa e tal e tal e coisa.

E se for um temporal com relâmpagos, trovejos e queda de energia? Nesse caso basta dormir e dormir e dormir com a cabeça enterrada no travesseiro sabendo que tem ali ao seu lado a tal pessoa.

O papo é estar apaixonada no inverno.

Pra mais tarde, acordar, quando passar a chuva, andar pela calçada atrás de um bar, tomar umas muito bem acompanhada e bater papo até cansar. E assim que cansar ir embora pra...

O papo é estar apaixonada. No inverno.

Ta oquei, o papo mesmo é que seja recíproco. Por que se não, fudeuMas fazer o quê? As coisas apenas acontecem. Muitas vezes sem planejamento.

Talvez ela precise mesmo é de um psicólogo que tire de sua massa encefálica toda essa neura constante de planos infalíveis pra conquistar o mundo e a receite um psicotrópico eficiente [Sonho].

domingo, 17 de outubro de 2010

Andando em domingo

Aquele domingo de sol fraco era proprício a caminhar, com mão no bolso e cigarro entre os dedos. Foi o que fez.

No quarto havia pilhas de apostilas e textos. Umas espalhadas e outras amontoadas pela cama, sofá e por aquela escrevaninha antiga e já defasada, presente no cômodo desde a sua infância.

Com todas aquelas coisas pra ler, com toda aquela coisa acadêmica e obrigações a cumprir, não achava ali nenhuma concentração. A cada junção de letra, na tentativa de formar uma única palavra, mergulhava nos seus pensamentos e se afogava na própria confusão.

Saiu e caminhou. Andava e procurava insistentemente nos rostos das pessoas um sorriso de satisfação, de prazer, ou qualquer outra sensação boa que, no momento ela não conseguia sentir.

Até achar dois sorrisos, um em cada rosto, e prender toda a concentração que achou por meia hora neles. Era um casal de velhinhos. Conversavam e riam e trocavam carinhos tímidos. Era aquele tipo de sorriso de satisfação, por ter vivido tudo o que viveu, por ter vivido ao lado de quem eles gostavam, amavam. Era um sorriso feito coisa de filme “água-com-açúcar”, no qual o casal enfrenta todas as dificuldades do mundo sentimental, familiar, financeiros e outros tantos problemas da vida e no fim de tudo sempre superam e vivem felizes para sempre.

Se isso existe hoje em dia? Ela não sabe responder. Só sabe que torçe realmente pra que isso não seja apenas coisa de filme.

Fim de semana:

Diane - Transpotting [Da internet, gostei e 'roubei']

Pessoas e conversas entrelaçadas ao meio de bebidas e fumaças. Risos altos, aparentemente felizes, uma fuga talvez. De toda essa realidade semanal esgotando e limitando nosso físico e mental.
Ouvir o som de umas notas, efervescentes entre aplausos. Gritos eufóricos ao reconhecimento de melodias significativas para si. Que acabam por refletir sensações, pensamentos e vontades quando o som, as notas, o ácool, a fumaça, os papos e cheiros se misturam a todo aquele momento de efusão.

domingo, 3 de outubro de 2010

Sentimentos vestidos


Era uma vez uma agonia. Constante e quase que mecâncica, presente e feminina. Dentro de um corpo pequeno, se fazia grande. Quase nunca saía pra dar uma volta, tampouco sabia o motivo de sua existência. Mas morava ali, dentro da menina.

Certo dia, em mais um de seus instantes filosóficos expressivos em rios e mais rios salgados, conhecera algo que nem todo mundo conhece. Que nem todo mundo reconhece e que às vezes mora tão próximo, mas não é visto.

Ela o avistara e então, logo de cara, sentira a dúvida, essas que todos têm no início. Passara-se um tempo, não muito longo, e soubera o que era de fato, soubera seu nome também. Uns o chamam de amor, outros o confundem com paixão. É, fato que eles se vestem bem parecido, têm quase o mesmo estilo, mas logo o tempo se encarrega em definir suas diferenças.

Aquele que conhecera naquele dia era a paixão. E sabe, a dona da agonia gostava bem desse, estranhamente se sentia confortável. Estranhamente sim, pois desde quando a instabilidade, alternância de sentimentos que a paixão proporciona é confortável? Enfim, a agonia e a dona dela se sentiam bem assim.

O tempo passara e a paixão se transformara em amor. Se, é possível? Alguns acham que sim e com a agonia não fora diferente. Era boa a compania da paixão transferida em amor. Era calmo, grato e bonito. Porém a agonia, que houvera então se tornado calmaria, tinha esquecido um detalhe que a maioria esquece. Talvez por que acha quase impossível acontecer naquele momento. Esquecera que às vezes o amor mente, engana, trapaceia. Se, é amor então assim? Ninguém sabe. Ele é tão grandioso em seu tamanho e tão vasto de sentimento que se torna coisa tão inexplicável que a ciência, dona de muita verdade, não consegue entendê-lo.

Depois de ter esquecido o detalhe, virara agonia outra vez. E continua vestida de agonia até hoje. Esperando reconhecer aquele outra vez, mas noutro lugar.

domingo, 15 de agosto de 2010

O que ser quando crescer?

Logo após pedir a atenção daqueles pequeninos corpos e mentes, desde já, bem pensantes, comunicou-os o assunto da aula daquela manhã de meio de semana. Profissão seria.

Naquele mesmo instante comecei a imaginar o rosto de cada um daqueles futuros ocupantes de cadeiras do mercado de trabalho. “Quais serão seus futuros rostos?”, “Quais angustias, gratidões e satisfações acerca do mundo adulto lhe estarão por trás?” Mergulhei em cada olhar, com uma grande expectativa, confesso, a respeito das respostas que por eles seriam dadas a ela.

“Engenheiro”, respondiam alguns. A mais delicada havia dito que queria ser bailarina quando crescesse. Outros desejavam ser médicos. Mas foi nela, na que eu menos esperava, que meus ouvidos e olhos se direcionaram surpresos e até mesmo um tanto agradecidos: “Professora! Tia, quero ser professora”.

De aproximadamente trinta corpinhos ali presentes em suas carteiras, só uma havia sentido vontade de estar, daqui a uns anos, no lugar de uma das “tias” que lhe olhavam. Sei que pode ser apenas uma vontade momentânea. Por quê? A resposta está na nossa cultura, que desvaloriza um dos mais importantes e antigos ofícios. O meu futuro ofício. Este que outrora também não valorizei.

Agora, percebo sua necessidade e começo a sentir a paixão que envolve, não apenas as mentes, mas também os corações dos muitos que se envolvem de verdade com o seu real objetivo. E assim espero o fazer, o sentir e repassar a importância que ela tem afim de que outros pequenos corpos pensantes desde cedo tenham essa mesma consciência.

Fluorescência

Estava fechada, a porta. Durante meses permaneceu assim. Sempre passava pela frente desta, mas minhas veias dilatavam ao sentir meu sangue por entre elas. Meu coração corria mais rápido. Estática permanecia. E mesmo assim dava-me conta de que era hora de seguir em frente e puxar do bolso aquela chave enferrujada. Pensei realmente em torcê-la na maçaneta, mas todos aqueles sintomas recomeçavam a articular em mim.

Virei de costas. Foi aí que o vi. E como se flutuasse me acalmei. Acalmou-me. Aqueles olhos grandes, cor de terra seca, fitavam meu “dentro” e sem pensar muito, quase que hipnotizada por aquela cor daqueles olhos gigantes, entreguei o objeto enferrujado sem pestanejar.

Foi então que fez o que há tempos não tive coragem de fazer.

Ao ranger da porta, olhávamos as cores fluorescentes, misturando-se umas às outras, multicolorindo-se em formas abstratas, porém concretas ao tocar nas peles ali presentes. Eram suaves em momentos e ríspidos em outros. E mesmo assim eu gostava. Sabia que era assim que as cores funcionavam. Podia sentir aquele gozo de ansiedade e satisfação. Podia as sentir tocarem-me durantes horas a fio. Mas também sabia que em certo momento aquela sopa de sentimentos e cores acabaria. Só não imaginava que se esgotariam no momento em que fui trancada ali pelos olhos de terra. Olhos de terra seca.

Permaneço aqui dentro. Esperando alguém torcer a maçaneta e poder ver-me multicolorindo, mais uma vez, às cores que agora não consigo fluorescer.

Abraços

Eu sei, no fundo, que meus braços não são compridos o suficiente. Teriam que medir quilômetros infinitos de comprimento afim de que assim pudessem enfim abraçar tudo o que quero e até mesmo o que não me ganhe pelo gosto, assim logo de cara como essas outras coisas.

Não é de tão egoísta da parte desse meu coraçãozinho, um tanto menos modesto, eu sei. Mas o fato é que só queria poder rir o tempo todo ao lado de todas essas coisas e momentos e cheiros que quero agarrar de uma só vez.

É. Também sei que é isso que faz da minha essência uma criança. Isso é típico delas. Bato pé, esperneio, grito, choro. Mas no fim acabo por admitir todos esses caracteres que pra minha faixa etária já não são mais vistos com bons olhos como quando eram na “minha época”.

Não posso deixar de lado toda a musicalidade do cheiro daqueles e desses momentos misturados em uma só cor, em cada poro do meu abraço de braços que eu sei que não medem quilômetros infinitos de comprimentos.