terça-feira, 23 de novembro de 2010

Como organizar neuras?

Talvez ela saque exatamente do que esteja precisando. De organização! O foda é saber por onde começar. Em qual prateleira certa guardar [ou esconder] cada pensamento, cada neura que consome e corrói cada espaço imaginativo, ou até certo ponto concreto, existente nessa massa encefálica desgastada pelas atitudes erradas tomadas nos últimos meses.

As vivências. As coisas ditas em momentos que deveriam ser apagados. As coisas não ditas que até hoje permanecem na vontade de serem despejadas, vomitadas. As coisas ainda não ditas, mas que serão [ela sabe] ao tomar copos a mais. Coisas que provavelmente serão tomadas por goles engasgantes de arrependimentos. Talvez pelo fato de que serão ditas pra pessoa errada, ou não-preparada [AINDA. Esperançosamente falando].

Mas se ela sabe que serão ditas na hora errada pra pessoa errada, por que dirá? Porque ela se conhece, apesar de muitas vezes esquecer disso. Eu a conheço. Ela vai falar, ela tem vontade. Ela necessita saber de uma resposta.

Espere, minha cara. Não se precipite. Escute o tal do martelo doído na cabeça. Será que vai conseguir agir contra todas essas vontades e escutar esse nhenhenhenojento, renitente ali? Evitar aquela agonia toda vez que se lembrar da merda feita? Isso já aconteceu antes, gata. Evite!

Acho que não. Ela vai falar e depois se arrepender. Já anda até meio que agindo condizente às palavras existentes naquela massa enrolada em seus pensamentos encefálicos. E sabe o que vai acontecer depois? Vai sentir a vontade de todas às vezes. Aquela da atitude extremista de sempre. A tal de apagar da cabeça. Pegar um puta baque e acordar com amnésia. Ou até mesmo ir ao consultório ilusório do doutor 'Howard Mierzwiak' e começar a sessão apague-toda-essa-neura-peloamordeDeus, conseguir o brilho eterno de uma mente sem lembranças e tomar em paz seu psicotrópico receitado pelo mesmo.

Talvez assim, do zero, consiga organizar nas prateleiras certas desses vinte e um anos. Ou não?

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Livro de escola

Uma amiga minha, comentou comigo o fato de eu ter uma linha só de escrita. Que escrevo sempre pequenos contos que falam a respeito de experiências minhas e de pessoas próximas a mim. [Eu sei que não foi uma crítica, Beiber. Mas mesmo assim faço uma nota a respeito, já que tu, como leitora assídua do meu blog, logo, logo soltarias uma exclamação: “Mas foi só um comentário! ¬¬”].

O fato é que eu realmente pensei sobre o porquê de eu escrever sempre coisas mais existencialistas-sentimentais-individualistas. Pensei, repensei e cheguei à conclusão de que sou uma [guei] sentimental. Além, claro, do fato de eu simplesmente gostar de escrever coisas assim e de um dia querer publicar um livro de contos [Tááá, Caia Fernanda Abreu], o que nada tem a ver com o possível e equivocado fato de eu não me interessar pelos contextos sociais [por que se não me interessasse, nem estaria no curso de pedagogia].

Portanto, resolvi agora [mas não somente] usar esse espaço meu, mas que não só eu leio, pra adentrar em um assunto que desde que comecei a estagiar vem me deixando muito encucada. Muito é pouco: MUUUITO!

Cara, talvez não seja a única a pensar sobre isso. Mas, quem já teve a oportunidade de folhear um livro didático do ensino infantil ou fundamental, além de professor, pai, mãe, tia, ou seja lá quem for o adulto que lide com isso cotidianamente? Quem que por curiosidade [e não por obrigação] já o fez?

Dando ênfase, agora, aos livros de ensino infantil [jardim I, jardim II], tu que já leste, não achas o quanto é tosco a maioria desses livros? O que será que pensam, essas editoras que publicam tais coisas, a respeito da mente cognitiva dos donos do livro? Pior: o que passa pela cabeça de quem escreve? Não. Pior: o que passa pela cabeça do diretor do colégio que compra esses livros?

Não, não estou sendo extremista. É só prestar atenção nos textos e questões. Uma criança que está no jardim II, tem em média cinco ou seis anos e muito malmente conhece o alfabeto completo e os números. Então por que diacho ensinar no jardim dois os algarismos romanos pra uma criança que não sabe nem que o dez é o zero do lado do um?

NÃO. Não estou dizendo que elas não têm capacidade pra isso. Mas cada passo de uma vez. Vamo ler Piaget, galera que escreve o livro, e analisar o nível de desenvolvimento nos quais elas estão.

Aí, contraditoriamente, em um livro de TERCEIRA SÉRIE, onde as crianças já sabem ler bem e corrido [tá oquei, algumas têm dificuldades, mas aí já é a questão da falta do hábito da leitura. Outra discussão], o cara me vem com uma questão dessas:
“1ª) Escreva o diminutivo de cada palavra:
a)      Sapo – sapinho
b)      Luva – luvinha
c)      Bebê – bebezinho”

Melldells, por um acaso, essa criança, por mais que tenha um desenvolvimento lento, não sabe que uma roupa pequena é roupinha? Que o filho do sapo, além de girino, é um sapinho? Já que é pra dar diminutivo como conteúdo de currículo escolar, por que esses livros não dão ênfase aos diminutivos irregulares [aldeia – aldeola; casa – casebre; rapaz – rapazote, rapazola...]?

E os textos de história e geografia? Puts, textos secos, questões secas pra respostas secas: “quem descobriu o Brasil?”. Gente, isso ainda existe. Uma criança de terceira série, com cerca de oito a dez anos, já tem condições suficientes de entender e analisar o contexto, como um todo, de determinada época. Eles já têm plenas condições, por exemplo, de entender sem traumas que os verdadeiros donos do Brasil, na época, eram os índios e que estes foram desprendidos de sua cultura de forma agressiva e blá blá blá.

, galeraescritoradelivrodidático, vamo colocar as questões certas na época certa.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Conversa de consultório

“Pois é, como ia dizendo, eu não ando muito bem da minha sanidade, doutor.
Ando sentindo coisas.”

“Meu filho, o que tu sentes exatamente?
Quando essa pessoa vai falar contigo, teu coração bate forte?
Ficas nervoso?
Ficas feliz com coisa pouca?”

“Doutor, dificilmente eu falo com essa pessoa pelo telefone, mas quando eu vejo uma ligação dela perdida no meu celular eu quase morro. Certo dia eu tava assistindo a um filme e me desprendi por horas do meu celular [aliás, sempre o faço, não costumo andar com ele pra cima e pra baixo]. Enfim, o filme acabou e eu, como quem não queria nada, peguei o aparelho. Quando eu vi aquele nome ali, me senti euforicamente infantil, meu coração pulou e saiu pela boca, tomei um puta susto e quase eu o perco pelo chão.”

“Ah, é normal, até, meu filho. A infantilidade é um dos sintomas da Apaixonice, meu caro. E o coração costuma mesmo saltar fora.”

“Mas doutor, meu orgulho tá ferido, sabe?!
Ela nem quer saber de mim, finge até que eu não existo, e eu?
Eu sou um abestado, doutor. É. Um abestado-retardado-que-fica-esperando-um-sinal-qualquer!”

“Orgulho ferido, euforia e infantilidade... Hum, normal ainda assim.”

“E quando ela me deixa falando sozinho?
E mesmo assim eu corro atrás?
Ah, doutor, esqueci de mencionar: Eu não a conheço direito.”

“Não a conhece direito? Mas ficas eufórico quando ela liga, mesmo sendo pouquíssimas vezes? Corre atrás dela, mesmo sendo desprezado? Seu caso é um pouquinho mais grave, ó. Acho que você sofre de Paixoniteagudanãocorrespondida

“[Puta merda]”

A garota do vestido vermelho, a mãe e o mendigo

A garotinha do vestido vermelho não parava de tagarelar, enquanto andava pela calçada, um segundo se quer a respeito do filme [aliás, ela simplesmente nunca parava]. O filme no qual sonhara a semana toda pra assistir ao lado da mãe, a cirurgiã plástica, esteticamente falando, tão ocupada com suas consultas ricas. Ricas de ausência de conteúdo.

Larissa agora andava de mãos dadas com as da mãe, tão feliz com seu vestido, empolgantemente-sorridente-estridente só de pensar que finalmente sua mãe arranjara um tempo em sua divertida agenda. Sem saber que, segundos depois, algo lhe tiraria o filme de seu foco. Benditos segundos que mudariam a vida pensante da pequena garotinha.

Logo adiante à calçada, avistara algo. De longe, no chão. Era um amontoado de panos velhos a princípio. Justificável que fosse realmente, a garota há um ano precisava de óculos. Tentara comunicar a mãe, mas o Motorola dela sempre chegava aos seus ouvidos antes que Larissa.

Foram se aproximando daquele amontoado e percebera que debaixo dele havia alguém. Alguém sentado no chão, sujo, cabelo bagunçado, com odor desagradável muito forte e uma caneca de plástico estendida na mão direita, dessas de lojinhas de um e noventa e nove, envolvida pelas mãos gastas com dedos feridos.

Sua cabecinha, tão pequenininha começara a crescer e montar uma série de pensamentos, assim, feito gente grande faz. Olhou bem para aquele cara ali jogado, olhou dentro dos olhos dele. Olhos que também a fitavam, tentando disfarçar aquele amargurado todo. Foi então que desarmara a mãe com tantas perguntas. Talvez tenha sido a primeira vez que esta prestara de fato atenção em algo que a filha houvera dito:

“Mãe, por que aquele velhinho tá sentado no chão? Ele não tem casa? Por que ele segura uma caneca? Por que têm moedas dentro dela e não um café ou suco ou aquele chá que a senhora toma? Por que eu tô vestida de vestido novo de cor bonita e ele tá com esse remendo velho de cor feia e suja? Ei mãe, por quê? Hein, mãe? Mãe!”

A mãe ouvira tudo o que Larissa dissera, mas achara mais fácil fazer o que faz sempre:

“Quieta Larissa. Anda rápido se não a gente se atrasa pro filme. A gente vai comer antes, esqueceu que eu tô com fome? Tive que passar no banco e sacar dinheiro, nem deu tempo de comer nada.”

“Mas mãe... Então por que ele não pega o cartão de crédito dele, vai no banco e pega um dinheiro pra comer alguma coisa? Ele parece que tem fome..”

Aquilo era demais pra cabecinha de Larissa. Acabara de completar cinco anos, era quase impossível uma menininha entender o porquê da existência de alguém no chão, sujo, sem dinheiro, enquanto ela, vestida e perfumada, ia ao cinema gastar o tanto que a mãe tinha.

No meio do filme, a única coisa que conseguiu pensar e dizer foi:

“Mãe? Quando a gente voltar, vamo deixar pra aquele velhinho um hambúrguer bem grandão?”

Pena que o que ela ainda desconhecia era a efemeridade das coisas. Não podia saber que poucas horas depois, o velhinho já não existiria mais.