sábado, 25 de dezembro de 2010

Em uma dessas sextas

É que as vozes das pessoas, o cheiro do cabelo e bordões usados apenas por elas, são coisas que conquistam a sua atenção, que o tomam pelo gosto, assim, logo de cara, sem nenhum esforço. E toda vez que conhece alguém, por mais que os olhos rodem por efeito do álcool na noite, sempre pára pra observar esses caracteres, aparentemente tão triviais, mas indispensáveis, principalmente em conjunto ali.

Quando tudo misturado em uma só pessoa o cara ouve até Lucy, com flores de celofane nas mãos, sussurrar dizendo que táxis feitos de papel de jornal estão à sua espera. Dá uma volta pela memória, acabando naquela nostalgia quase que cotidiana e bem enrolada em suas neuras pretéritas.

Foi ali: Aquele braço direito que segurava uma garrafa de cerveja. Aquele braço, com aquele relógio preto na pele branca. O sorriso dado de graça, junto às gargalhadas, aos amigos. Conversas em uma noite de sexta. Sorriso de dentes bonitos. Armação grossa dos óculos cobrindo aqueles olhos investigativos. O alargador preto na orelha branca, coberto pelo cabelo longo-ondulado de castanho bem claro, quase loiro. Era simplesmente quase perfeita sem nem conhecer esse cheiro castanho-doce do cabelo, nem voz, nem bordões que ela gostava de usar.

Ele andava meio cético, não acreditava em muita gente. Nem sentia muita gente já fazia algum tempo.

Andava nostálgico também, por um tempo que não volta. Um tempo misto de sujo e felicidade. Uma felicidade suja. Irreal, criada apenas em sua cabeça. Transpassada ao coração com uma esperança gritante, uma expectativa gigante de felicidade.

Andava cego. Cego de vontade de olhar ao redor, cego pelo medo de perceber a mesmice em que havia se afundado. E o pior: Por conta própria, enfiando um pé de cada vez lentamente de olhos conformados, semi-fechados. O fato é que aquela merda toda de interesses, refúgios, aos fins de semana, de angustias que se transvestiam, cada vez mais, em cotidianas, passou de adubo a concreto. Esqueceu de olhar ao redor.

Mas foi ali, naquela hora que soube da presença do diferente. Naquele momento tudo veio à tona, ao ver aquele corpo, aquela pele, cabelos longos, relógio preto, gestos atípicos, contrastes e reflexos de luzes. Olhar oculto que investiga por entre os óculos e seus dedos de unhas azuis que insistentemente ajeitam a lente rebelde e escorregadia pelo nariz de traços firmes. Copos cheios de refúgio alcoólico espremendo um sorriso de graça pelas graças de amigos.

Será que foi isso? Foi isso tudo e só? Que fez com que deixasse a cegueira de lado? Com que tornasse a nostalgia ainda mais forte? E deixado aquele ceticismo, que, aliás, não lhe cai tão bem assim, ir embora? Será? Ele até hoje sente o desejo de descobrir o que aconteceu naquela sexta daquele mês chato que, a seu ver, contraditoriamente, nada tem a oferecer.

Contraditoriamente. Fato. Naquele dia foi lhe oferecido a dúvida, a incerteza, a inquietante sensação da tristeza e felicidade anexadas ao mesmo sorriso. Excitações, obscenidades, inveja, ciúme, luxúria, de uma paixão [não correspondida].

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