domingo, 13 de março de 2011

Sentimento de estimação.

Eu tinha um desses. Desses que se costuma ter quando se tá feliz. Apesar de ter certo fascínio em criá-lo debaixo da minha tristeza meio molhado de lágrima. Mas eu tinha um. Perdi em janeiro. Janeiro não é um mês tenso? Carrega nele toda uma expectativa de futuros onze meses. Sei lá, dá frio em barriga.

Mas eu tinha, era falso, mas tinha.

Meses foram se gastando e ganhei outro. Oquei, eu menti. Mas quem não mente? Não ganhei, achei no chão, enrolado em merda, podre, uma essência podre e cheio de coisas que muito me atraíram. Nossa, como me atraíram! O lado sujo, escuro e triste, sempre me entorpece, me deixa estática em pensamentos que andam mais que meus pés, que correm mais que criança e voam pra lá, pra onde eu guardo tudo de mais meu, de mais secreto, de mais errado, de mais promíscuo, de mais humano.

Me identifiquei de cara com esse outro, tão vivo e cheio de manias. Mania de egoísmo, mania de saudade, mania de tristeza, mania dele, só dele. Feito gente. Talvez até mais gente que eu. Talvez, por isso resolvi criá-lo.

Alimentei por meses, contando os dias pra crescer. Claro que tive medo, de me machucar, levar uma arranhada ou uma mordida de tirar pedaço. Mas foi um risco que eu quis correr, eu precisava de um novo pra me sentir viva. Me dispus. Fui seduzida pelas manias que pareciam tanto com as minhas.

Cresceu noutro janeiro, mas foi ingrato. Levei a mordida. Talvez até tivesse sido eu a culpada. O mimei e não me protegi, mas como disse, era um risco preciso. Precisava mais dessa, de mais história, de mais uma dor. Ou talvez a culpa tenha sido mesmo do janeiro, da expectativa.

O cheiro da sua saliva ainda quente permanece. Nela eu consigo ver as manias, a podridão de um pseudo-humano, consigo sentir a dor da perda. É quando a lágrima cai em cima que penso e foco mais e mais a dor. Não a dor da mordida, mas a dor da alma. Dessa que vaga por aí, à procura de um janeiro mais calmo.

Não deu tempo pra saber se era, ao menos, verdadeiro.

domingo, 6 de março de 2011

Quem sabe mais uma necessidade

Talvez ele saiba do que esteja precisando. Talvez morra só em pensar na possibilidade. Essa de jogar tudo fora, deixar estar assim, de não sentir mais o coração apertar toda vez que a escuta. Por mais que a dor exista agora, é melhor senti-la do que não sentir coisa alguma.

Essa robotização das relações inter-intra-extra-pessoais o chocam. O constrange diante do fato de saber que nele o que mais existe é o pulso da corrente sanguínea, correndo exagerados quilômetros por hora. Enquanto os outros ali, diante de copos e fumaças, o contam como funcionam suas relações, em quais botões apertam e como os desligam sem muita dificuldade, sucateando tudo.

Foi nessa hora que pensou em ligar. Era só discar o número gravado já na mente. Bateu o nervoso. A corrente de sangue correu.

“Alô”

As coisas não saíram como imaginou. O pensamento recorrente da desistência o tomou mais uma vez. Talvez seja isso mesmo. Essa seria a solução de merda mais viável. Mais uma robotização. Mais um fim sucateado. Um suspiro pesado, um gole de cerveja barata, um arroto engasgado: um botão apertado.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Só uma nota, nada além disso:

Eu que já não chorava,
comecei ontem.
Recomecei
por uma porra de começo que já faz tempo
Mas pro meu gosto,
não tem cara de fim.
Pro meu desgosto
não tem cara de nada
E quem vê cara, vê sentimento?

quarta-feira, 2 de março de 2011

Cheiro derramado

O cheiro derramou exalando o doce sobre a camisa clara, deixando transparecer o respirar profundo. Causando o mesmo efeito colateral de sempre. Trouxe consigo de lá, do lugar de origem. Das palavras que assustaram, das salivas que neutralizaram o ácido do momento e do nó oculto como conseqüência.

As estrelas foram testemunhas daquele cheiro alucinógeno, mesclado ao pensamento insistente e lembranças recentes.

Presente no seu exercício constante. Musculação do cérebro, enfraquecimento do coração e fortalecimento das neuras. O quebra-cabeça de momentos, dos últimos meses, tem sido o seu mais sufocante passatempo. Uma asfixia necessária à existência do sentimento. Pertinente nas leituras e interpretações das peças ali presentes, na esperança enrustida em cada pedaço de cena formada por cada peça.

E as estrelas sabem de tudo.

O toque das notas nos ouvidos presentes. A troca musical entre a audição, olfato e tato. Momentos confusos enrolados ali. O cheiro musical, o cheiro do momento, o cheiro derramado sob as estrelas e sobre a camisa.